Recepção de leite

Saiba tudo e mais um pouco 

Autora: Isabel Landim, PhD

Nesse artigo vamos entender na prática como se inicia o processamento do leite. A primeira etapa é a recepção do leite cru no laticínio.

O leite integral cru após a ordenha chega em caminhões refrigerados. O leite precisa chegar na fábrica a, no máximo, 7°C. Se ele chegar acima dessa temperatura a indústria não pode recebê-lo e ele é DESCARTADO! Por isso é essencial o controle de temperatura nesses caminhões. Mas e se o caminhão, mesmo refrigerado, viaja por muitas horas acarretando um aumento de temperatura? Nesse caso o caminhão para em algum ponto intermediário no caminho em um local chamado posto de resfriamento, que é basicamente um laticínio que “empresta” ou “aluga” a área de recepção para poder resfriar o leite até 3-4°C e assim o caminhão segue a viagem. Alguns postos de resfriamento funcionam única e exclusivamente para isso, outros são linha de recepção de um laticínio.

Quando o caminhão chega, antes do descarregamento, faz-se uma análise do leite a fim de verificar alguma adulteração. As análises são: Temperatura, Alizarol, Acidez, Crioscopia, pH e Densidade.

Estando tudo certo com a qualidade do leite, conecta-se uma mangueira no caminhão e em uma placa de fluxo (já falo sobre) o leite começa a ser succionado do caminhão até a linha de processo da fábrica, uma bomba faz o trabalho de enviar o leite para um resfriador e logo para um silo de estocagem. Nota-se que mesmo o leite chegando menor que 7°C, ele passa por um resfriamento para garantir que ele será estocado a uma temperatura de (4-3°C). O leite cru pode ficar estocado no silo no máximo 2 dias. Mas geralmente, no dia seguinte ele já é usado para produção, até porque no dia seguinte a indústria já recebe mais leite para ser estocado.

OBS.: Para esse processo geralmente usa-se uma bomba autoescorvante, que não cavita. Assunto para outro momento! Me cobrem!!

Uma outra bomba atua para que o leite vá para o processo de pasteurização. No pasteurizador, há um tanque de equilíbrio, normalmente o volume dele em L é 2% da vazão do processo em L/h. Exemplo, se o pasteurizador tem uma vazão de processo de 25.000 L/h, o tanque de equilíbrio é de 500 L. E tanque serve para garantir que o sistema manterá seu funcionamento sem correr o risco de não ter produto para passar no pasteurizador, e principalmente, não acontecer de cavitar as bombas do processo por falta de produto.

Deixe-me abrir um parêntesis pois acabo de me lembrar de explicar-lhes um conceito importante: a vazão!

Vazão é a quantidade de fluido que passa por uma seção transversal de tubulações. Quantidade essa verificada por unidade de tempo. Ou seja, se sabemos que a vazão é de 25.000 L/h, significa que a cada 1 h passa pela tubulação 25.000 L de fluido. Essa vazão está diretamente relacionada a velocidade que esse fluido percorre e a área da seção transversal da tubulação. Vamos chamar a Vazão de Q, velocidade de v, área da seção transversal de A e diâmetro da tubulação de d:

A pergunta que não quer calar, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?

Ou seja, o que definimos primeiro: a velocidade, a vazão ou o diâmetro da tubulação? A vazão é definida de acordo com a capacidade da planta. Por exemplo, se a fábrica recebe 400.000 L de leite por dia e quero processar esse leite no mesmo dia em dois pasteurizadores que podem rodar 8h por dia cada um, então divido 400.000/16 ~ 25.000 L/h deve ser a vazão de cada um desses pasteurizadores. Quando envolvem outros processos pós pasteurização, essa conta não é tão simples, pois depende também do tempo que cada processo deve atuar/rodar/trabalhar (veja a palavra que mais te ajude a compreender). E para isso fazemos o chamado diagrama de ocupação, no qual colocamos todos os tempos de processo de cada equipamento e ver como se encaixa um dia inteiro de processo fabril. Esse assunto é tema para um próximo conteúdo. Salvei aqui para não esquecer.

Muita coisa envolvida e ainda não expliquei se definimos primeiro a vazão, a velocidade ou o diâmetro da tubulação. Como mencionei, a vazão é definida pela capacidade da planta, então esse é o primeiro parâmetro. A partir da vazão definimos a velocidade e por último o diâmetro da tubulação. Para saber sobre uma velocidade ideal, precisamos entender mais profundamente sobe os conceitos de reologia, verificar o escoamento do fluido, se é laminar ou turbulento, número de Reyolds e etc. Mas, no dia a dia da indústria, se tratando de um fluido conhecido ou com propriedades similares a de fluidos conhecidos, nós temos alguns parâmetros de velocidade mínima e máxima dos diferentes fluidos para assim calcularmos o diâmetro da tubulação.


Velocidade do fluido

Se tradando de uma planta de laticínio, a velocidade ideal do fluido principal (leite) é 1,5 m/s e o máximo aceito é < 2,0 m/s. Precisamos nos atentar que, na mesma tubulação que passa produto também passará CIP. Clean in place (CIP) é o termo usado para limpeza nas fábricas, esse é o resumo do resumo só para eu não deixar de falar agora, mas darei mais detalhes em outro momento. A velocidade ideal do fluido de CIP deve ser > que 2,0 m/s e mínima de 1,5 m/s. Portanto, em um processo de laticínios o envio do CIP deve apresentar uma vazão maior (melhor cenário) ou igual (se a velocidade do leite está perto do limite de 2 m/s) que do produto, para garantir a velocidade ideal.

Temos a vazão e a velocidade, nos resta saber o diâmetro da tubulação:

Cálculo do diâmetro da tubulação

Fazendo os cálculos podemos achar um diâmetro com valor não inteiro, mas existem diâmetros de tubulação comercial que temos que usar esses valores, portanto, ao fazer o cálculo nós verificamos o valor maior encontrado nos tamanhos padrões de tubulação.

Do dia a dia com a prática nós ou já temos uma noção da tubulação a ser usada, ou temos uma planilha que chega nesse cálculo já com o diâmetro nos valores comerciais. Que inclusive, normalmente a unidade usual para se tratar dos diâmetros é em polegadas (OD) ou, ao usar o padrão DIN de tubulação, mm.

Os diâmetros mais vistos em indústrias alimentícias são: ¼’’; ½’’; ¾’’; 1’’; 1 ½’’; 2’’; 2 ½’’; 3’’; 4’’; 6’’.

Voltando ao exemplo, para uma vazão de 25.000 L/h, o diâmetro de 3’’ promove uma velocidade de aproximadamente 1,7 m/s. Ideal para o leite e dentro do limite para o CIP. E assim escolhemos o diâmetro da nossa tubulação.


Voltando para a recepção

Quantas voltas! Mas é que é muito assunto! Vamos voltar para a recepção? O leite passa pelas mangueiras sanitárias, passa pelas tubulações, chega no resfriador e vai para o silo de estocagem. Tudo por meio da nossa tubulação que já calculamos o seu diâmetro. Algumas recepções apresentam um tanque que fica antes do resfriador, chamado tanque desaearador. Esse tanque serve para reduzir as bolhas de ar do leite, tais bolhas reduzem o tempo de vida dos equipamentos e tubulações. O porquê disso também é outro assunto interessante!

Vamos agora com algumas fotos para vocês darem imagem a tudo que eu estou falando!

Caminhão de leite, o trabalhador está coletando o leite para fazer a análise de laboratório.

Mangueira que conecta o caminhão à placa de fluxo, esta direciona a tubulação no qual o fluido deve passar.

OBS: Note que o piso onde está o caminhão é inclinado, isso é proposital! O caminhão em um piso inclinado garante que todo o leite será succionado.

Pasteurizador de leite com centrífuga para padronização do teor de gordura.

Observe que o sistema de pasteurização é montado de forma compacta, com uma plataforma e uma estrutura que conecta todas as partes que o compõe. Isso de chama skid. O skid industrial é, essencialmente, uma estrutura metálica única onde são montados vários equipamentos que visam realizar um processo. Montar um sistema dessa forma facilita a sua instalação e manutenção, ocupa menos espaço na fábrica e permite a mobilidade do equipamento para diferentes locais.

Quer saber mais sobre recepção de leite? Acesse o vídeo sobre o tema na nossa área, “videos”: Vídeos – Alimentando Conhecimento

O sistema de pasteurização é o próximo tópico que irei abordar, aguarde! 😊